ONU: 2,2 bilhões de pessoas não têm acesso à água potável

O Relatório Mundial das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento da Água deste ano destaca a importância de criar e manter a segurança hídrica e o acesso aos recursos hídricos para garantir a paz e a prosperidade ao mundo. No planeta, cerca de 2,2 bilhões de pessoas não têm acesso à água potável e 3,5 bilhões não têm serviços de saneamento seguros. Conforme o documento, a procura por água aumenta 1% por ano no mundo. Essa busca acontece devido à industrialização, hábitos alimentares e maior número de pessoas morando nas cidades.

O documento, publicado ontem, no dia mundial da água, sublinhou que garantir a todos os países “um abastecimento de água seguro e equitativo” é “indispensável” para promover a sua prosperidade e, por extensão, a paz. O trabalho, que carrega o tema “Água para Prosperidade e Paz”, revela que nos países em desenvolvimento, até 80% dos empregos concentrados na agricultura e nas indústrias com uso intensivo de água estão vinculados ao recurso natural, ameaçado pelas mudanças climáticas.

“Sem acesso à água potável, as pessoas ficam expostas a doenças que as impedem de ir à escola, de trabalhar, de serem produtivas. O vínculo aqui é bastante claro”, sublinha Richard Connor, principal redator do relatório. Após apresentação na sede da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), em Paris, na França, Connor ressaltou à AFP que “sem água não temos segurança alimentar, produção agrícola, indústria”. Se esse recurso e a prosperidade estão vinculados, a prosperidade e a paz também parecem andar de mãos dadas. “Parece lógico que aqueles que têm a sorte de viver com prosperidade sejam menos propensos a lutar uns com os outros”, observa Connor.

Desigualdade

Segundo o relatório, na América Latina e no Caribe (ALC), diversas iniciativas de cooperação e coordenação têm impulsionado a segurança hídrica, o desenvolvimento sustentável e a paz na região. A implementação de parcerias transfronteiriças, processos de desenvolvimento local e gestão de barragens polivalentes destacam desafios e lições para reduzir tensões entre os diversos usuários de água. Com aproximadamente 251 projetos de barragens polivalentes na ALC, que abrangem hidroeletricidade, irrigação, abastecimento urbano e controle de inundações.

Gustavo Veronesi, coordenador da causa Água Limpa da Fundação SOS Mata Atlântica, afirma que o Brasil tem cerca de 13% de toda a água doce do planeta e que, no entanto, o acesso é desigual. “Enquanto grande parte da população está localizada nas regiões Nordeste, Sudeste e Sul, a água se concentra ao Norte, onde há menos pessoas. No entanto, na região Norte, há serviços precários de acesso à água e esgotamento sanitário.”

O especialista reforça que, nas regiões mais dinâmicas economicamente, como Sudeste, não há tanta água, e os conflitos também aparecem. “No contexto de mudanças climáticas, antes havia regimes de chuva bem estabelecidos, hoje há problemas sérios em relação às fortes chuvas, que causam impactos tremendos, principalmente nos mais vulneráveis, como as populações periféricas, tradicionais.”

Na região da Ásia e do Pacífico, onde apenas 36% dos recursos hídricos do planeta estão disponíveis para cerca de 60% da população mundial, a escassez de água per capita é uma preocupação significativa. A sobrecarga nos recursos hídricos, considerada a principal causa de escassez na região, destaca a importância de estratégias para enfrentar esse desafio.

As desigualdades na distribuição dos recursos hídricos, no acesso aos serviços de abastecimento e saneamento são fonte de tensões que podem “exacerbar a insegurança hídrica”, aponta a publicação.

Para evitar tragédias, a ONU defende uma maior cooperação internacional que está gerando “resultados positivos”. Todavia, dos 153 países que compartilham rios, lagos ou águas subterrâneas, somente 31 alcançaram acordos de cooperação que cobrem pelo menos 90% da superfície das suas bacias transfronteiriças, destaca o documento.

Alexander Turra, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN) e professor titular do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP) reitera que a escassez de água, ocasiona situações assimétricas, hegemônicas, de grupos se sobrepondo a outros. “Assim como outros recursos naturais, é possível concentrar essa riqueza. Hoje, um litro de gasolina custa em torno de R reais, e se você for ver quanto custa uma garrafinha de água de meio litro, está por volta desse preço. É mais barato abastecer o carro do que tomar água.”

Turra destaca ser preciso compreender o valor do recurso. “Temos o uso da água como um mecanismo de dominação. Isso aconteceu no Nordeste do Brasil com a manipulação dos caminhões-pipa que leva água para as comunidades em lugares remotos e isso era uma moeda de troca política.”

Tecnologia

A diretora-geral da Unesco, Audrey Azoulay, destaca a importância de aumentar os investimentos particulares, uma vez que “o acesso universal à água potável, ao saneamento e à higiene em 140 países de baixa e média renda exigiria um investimento de cerca de 114 bilhões de dólares (567,7 bilhões de reais) anuais até 2030”. O relatório frisa ainda uma “falta de competências jurídicas, políticas e institucionais” para evitar o desperdício e a poluição e permitir a resolução de conflitos por meio da negociação.

A ONU alerta para o surgimento de tecnologias que não consideram o impacto na água, mesmo quando visam reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Considerando as tecnologias de informação que “consomem cada vez mais água”, porque precisam esfriar seus servidores, sobretudo com o desenvolvimento da inteligência artificial.

Brasil brasileiro

Alguns locais do Nordeste Brasileiro estão sob o risco de desertificação. Temos o polígono da seca onde há o uso inadequado do solo. Ele é utilizado excedendo sua capacidade por atividades agrícolas ou pecuárias, colocando mais animais do que o adequado, ou utilizando maquinário pesado, que vai compactando o solo e diminuindo cada vez mais a capacidade de infiltração da água. Temos grande falta de matas ciliares no entorno de lagos, rios e nascentes. Em tempos de mudanças climáticas com eventos extremos cada vez mais intensos e frequentes, é preciso ter estratégias para recuperar áreas degradadas e recuperar a capacidade do nosso território de absorver a água.

Números

– 2,2 bilhões das pessoas não tinham acesso à água potável gerenciada com segurança em 2022

– 72% da água doce retirada são usados pela agricultura

– Cerca de 80% dos empregos dependem da água em países de baixa renda onde a agricultura é a principal fonte de subsistência

– Perdas econômicas de US$ 832 bilhões de dólares foram causadas por inundações entre 2002 e 2021

– 1,4 bilhão pessoas foram afetadas pelas secas de 2002 a 2021

Aumento 10% na migração global entre 1970 e 2000 estava ligado a deficits hídricos

Correio Braziliense.

Além de mostrar disparidade de gênero na renda, relatório indica que IR aumenta desigualdade

O Ministério da Fazenda divulgou nesta sexta-feira (29) o Relatório da Distribuição Pessoal da Renda e da Riqueza da População Brasileira, com base nos dados do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) de 2021 e 2022.

Entre as análises realizadas pela pasta, estava a estratificação da renda da população brasileira em 2021, em relação ao gênero dos contribuintes. Sobre a temática, o levantamento encontrou diversas disparidades financeiras entre homens e mulheres. Além de chegar à conclusão de que as mulheres contribuintes detêm quase metade a menos de patrimônio do que os homens, o relatório também apresentou o entendimento de que os critérios de tributação do imposto de renda ampliam ainda mais as desigualdades de gênero ao fazer o público feminino pagar uma parcela maior de sua renda do que o masculino.

O relatório sobre os dados do Imposto de Renda de ano-base 2021 apresenta diversos exemplos de como a população feminina brasileira ainda enfrenta consequências da desigualdade de gênero. Entre os dados iniciais, é indicado que, apesar de ter mais pessoas em idade ativa que os homens (51,7% contra 48,3%), as mulheres representam apenas 43,8% da população economicamente ativa e 43,2% dos declarantes do imposto de renda.

O relatório justifica esses números pela manutenção de uma exclusão das mulheres do mercado de trabalho. Entre regiões, o índice de mais baixa participação é do Norte, com 40,1% do público feminino em idade ativa no mercado de trabalho, o Nordeste é o segundo mais baixo, com 42,4%. Segundo o PNAD Contínuo de 2021, a maior taxa era do Sudeste, com 45,1%.

Como 43,2% do número total de declarantes do Imposto de Renda de 2021, o levantamento indica que apenas 37,2% da renda total é do público feminino. Além disso, é apresentado que as mulheres também detinham um menor número de rendimentos isentos de tributação.

Também foi identificado uma renda mensal de 31,8% a menos do que o dos homens, o que mantém a conclusão de que a maioria das mulheres recebe salários menores do que os colegas do público masculino. O levantamento também compara com os índices do PNAD para apresentar que quanto maior o estrato de renda, maior a desigualdade de renda entre gêneros.

Um ponto apresentado com destaque no relatório do Ministério da Fazenda é sobre o patrimônio dos contribuintes do Imposto de Renda. O levantamento apresenta que os bens líquidos das mulheres foram apenas 29% do total de declaração, com média individual de R$ 233,9 mil. No caso dos homens, essa mesma categoria foi de R$ 433,1 mil, um aumento de 46,1% quando comparado ao total das mulheres.

O relatório da Fazenda também faz uma ligação entre o tipo de vínculo empregatício das mulheres com o nível de rendimentos isentos que possui. Essa definição faz com que o relatório indique que o Imposto de Renda aumenta a desigualdade de gênero por aumentar a carga proporcional de tributação para as mulheres, mesmo essas tendo menor renda que a maioria do público masculino. A sugestão do material é revisar o critério de isenções fiscais sobre esse ponto de partida.

O relatório também sugere que o preenchimento da declaração do Imposto de Renda insira informações de raça, para que mais estudos sobre essa estratificação sejam possibilitadas nas análises de renda.

JC Onlibne