Editorial – Quando os poderes deixam de ser “independentes”

A relação entre os poderes da República volta ao centro do debate nacional. Nesta terça-feira, o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, anunciou que entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal para tentar reverter uma decisão da Primeira Turma da Corte. A decisão manteve uma ação penal contra o deputado Alexandre Ramagem, mesmo após a Câmara aprovar um relatório suspendendo o processo.

Motta defende que os votos dos 315 deputados devem ser respeitados, reforçando que só há harmonia entre os poderes quando todos usam o mesmo “diapasão”, ou seja, quando atuam em sintonia. O pedido protocolado no STF busca suspender os efeitos da decisão da Primeira Turma, alegando que ela desrespeita a resolução da Câmara.

Por outro lado, o ministro Flávio Dino afirmou que a decisão do Supremo não fere a separação dos poderes. Segundo ele, a suspensão do processo contra Ramagem vale apenas para os atos cometidos após a diplomação como deputado — e não para os crimes anteriores, que ainda podem ser investigados.

Em meio a esse embate, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, falou em um evento nos Estados Unidos sobre a importância de se respeitar decisões políticas, desde que estejam de acordo com a Constituição. Segundo Gonet, no Direito nem sempre há uma única resposta correta, mas cabe aos aplicadores da lei respeitar as decisões do Parlamento quando elas se encaixam nos limites da Carta Magna.

E é aí que mora o ponto central dessa discussão: a democracia só se sustenta quando há equilíbrio e respeito entre os poderes. Nenhum pode se sobrepor ao outro. O Legislativo é legítimo quando representa a vontade popular, o Judiciário é legítimo quando aplica a lei com isenção, e o Executivo quando governa com responsabilidade e diálogo.

Mais do que um impasse jurídico, estamos diante de um alerta institucional. É preciso maturidade, autocrítica e, sobretudo, respeito mútuo. A democracia brasileira não pode se transformar em um tabuleiro onde cada poder tenta mover as peças de forma isolada. Ou jogamos juntos, dentro das regras, ou todos perderemos.

Waldiney Passos

EDITORIAL — A democracia enfraquecida pela interferência entre os poderes

Na tarde de ontem, 14 de abril, o líder do PL na Câmara dos Deputados, Sóstenes Cavalcante (RJ), protocolou o requerimento de urgência para o Projeto de Lei que trata da anistia aos envolvidos nos eventos do 8 de Janeiro. A proposta foi apresentada com 264 assinaturas de parlamentares, das quais duas foram invalidadas, inclusive a do próprio Sóstenes e do líder da oposição, deputado Zucco (PL-RS), por terem sido feitas na condição de líderes, o que, segundo o regimento, não é permitido. Restaram, portanto, 262 apoios válidos, número mais que suficiente para o requerimento de urgência tramitar na Casa.

No entanto, o que deveria ser um rito legislativo normal, dentro da plena legalidade e do jogo democrático, está sendo alvo de fortes e indevidas interferências por parte de outros poderes da República. A atuação aberta de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e até do próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva para barrar o andamento da matéria na Câmara dos Deputados é um sinal preocupante e incompatível com os preceitos constitucionais do Estado Democrático de Direito.

É preciso lembrar que a Constituição Federal de 1988 é clara: os poderes da República (Executivo, Legislativo e Judiciário) são independentes e harmônicos entre si. Não cabe ao STF ou ao Palácio do Planalto determinar o que pode ou não ser discutido pelos representantes eleitos pelo povo. Gostem ou não da proposta de anistia, é prerrogativa exclusiva do Parlamento deliberar sobre o tema. Quando essa prerrogativa é obstruída por agentes de outros poderes, estamos diante de uma grave afronta à ordem constitucional.

A tentativa de silenciar o Legislativo em nome de uma “verdade única” ou de um “sentimento majoritário” é característica típica de regimes autoritários, onde a vontade de poucos se impõe à soberania popular. No Brasil, infelizmente, essa interferência tem sido naturalizada e o mais grave: celebrada por boa parte da grande imprensa, que trata essa intervenção como algo positivo, como se proteger a democracia significasse calar vozes divergentes ou impedir o debate.

A democracia só é forte quando seus pilares estão equilibrados e respeitados. Quando o Judiciário e o Executivo agem para controlar a pauta do Legislativo, estamos abrindo mão da liberdade em troca de uma falsa sensação de estabilidade. Isso é perigoso, antidemocrático e inaceitável.

Externamos aqui nosso profundo sentimento de decepção diante de mais esse capítulo em que se tenta enfraquecer o poder que, em tese, deveria representar diretamente a vontade do povo. O Brasil não pode seguir flertando com práticas autoritárias enquanto se apresenta como uma democracia. A história julgará aqueles que, com o pretexto de defender a ordem, atropelam a própria Constituição.

Waldiney Passos

Pautas voltam a gerar tensão entre poderes

(Foto: Reynaldo Stavale)

Na semana em que o Senado Federal realiza a terceira das cinco sessões de discussão da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do foro privilegiado, antes da votação da proposta no plenário, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa poderá pautar o projeto de abuso de autoridade.

A proposta idealizada pelo senador Renan Calheiros (PMDB), que abrange os crimes de abuso cometidos por servidores públicos e membros do Ministério Público, havia sido apresentada no final do ano passado. Mas, em função da forte reação dos integrantes do Judiciário, a matéria foi enviada para a CCJ.

De acordo com o relator do projeto de abuso de autoridade, Roberto Requião (PMDB-PR), a matéria lista uma série de práticas “abusivas”, entre elas, por exemplo, decretar a condução coercitiva de testemunha ou de investigado sem prévia intimação de comparecimento ao juízo, sob pena de prisão de 1 a 4 anos, e multa.

A proposta prevê, ainda, a punição, com prisão de 6 meses a 2 anos e multa, a quem “impedir sem justa causa a entrevista do preso com seu advogado” ou àquele que “requisitar instauração ou instaurar procedimento investigatório de infração penal ou administrativa, em desfavor de alguém, à falta de qualquer indício da prática de crime”.

LEIA MAIS