EDITORIAL — A democracia enfraquecida pela interferência entre os poderes

Na tarde de ontem, 14 de abril, o líder do PL na Câmara dos Deputados, Sóstenes Cavalcante (RJ), protocolou o requerimento de urgência para o Projeto de Lei que trata da anistia aos envolvidos nos eventos do 8 de Janeiro. A proposta foi apresentada com 264 assinaturas de parlamentares, das quais duas foram invalidadas, inclusive a do próprio Sóstenes e do líder da oposição, deputado Zucco (PL-RS), por terem sido feitas na condição de líderes, o que, segundo o regimento, não é permitido. Restaram, portanto, 262 apoios válidos, número mais que suficiente para o requerimento de urgência tramitar na Casa.

No entanto, o que deveria ser um rito legislativo normal, dentro da plena legalidade e do jogo democrático, está sendo alvo de fortes e indevidas interferências por parte de outros poderes da República. A atuação aberta de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e até do próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva para barrar o andamento da matéria na Câmara dos Deputados é um sinal preocupante e incompatível com os preceitos constitucionais do Estado Democrático de Direito.

É preciso lembrar que a Constituição Federal de 1988 é clara: os poderes da República (Executivo, Legislativo e Judiciário) são independentes e harmônicos entre si. Não cabe ao STF ou ao Palácio do Planalto determinar o que pode ou não ser discutido pelos representantes eleitos pelo povo. Gostem ou não da proposta de anistia, é prerrogativa exclusiva do Parlamento deliberar sobre o tema. Quando essa prerrogativa é obstruída por agentes de outros poderes, estamos diante de uma grave afronta à ordem constitucional.

A tentativa de silenciar o Legislativo em nome de uma “verdade única” ou de um “sentimento majoritário” é característica típica de regimes autoritários, onde a vontade de poucos se impõe à soberania popular. No Brasil, infelizmente, essa interferência tem sido naturalizada e o mais grave: celebrada por boa parte da grande imprensa, que trata essa intervenção como algo positivo, como se proteger a democracia significasse calar vozes divergentes ou impedir o debate.

A democracia só é forte quando seus pilares estão equilibrados e respeitados. Quando o Judiciário e o Executivo agem para controlar a pauta do Legislativo, estamos abrindo mão da liberdade em troca de uma falsa sensação de estabilidade. Isso é perigoso, antidemocrático e inaceitável.

Externamos aqui nosso profundo sentimento de decepção diante de mais esse capítulo em que se tenta enfraquecer o poder que, em tese, deveria representar diretamente a vontade do povo. O Brasil não pode seguir flertando com práticas autoritárias enquanto se apresenta como uma democracia. A história julgará aqueles que, com o pretexto de defender a ordem, atropelam a própria Constituição.

Waldiney Passos

Bolsonaro nega interferência na PF e espera arquivamento de inquérito

Presidente divulgou nota oficial para responder a acusação

O presidente Jair Bolsonaro divulgou nota oficial nesta segunda-feira (25) para responder novamente à acusação de ter interferido na Polícia Federal (PF). A investigação sobre a suposta interferência do presidente foi aberta a pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, e autorizada pelo ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF).

“Nunca interferi nos trabalhos da Polícia Federal. São levianas todas as afirmações em sentido contrário. Os depoimentos de inúmeros delegados federais ouvidos confirmam que nunca solicitei informações a qualquer um deles. Espero responsabilidade e serenidade no trato do assunto”, afirma o presidente, na nota. “Por questão de Justiça, acredito no arquivamento natural do inquérito que motivou a divulgação do vídeo”, acrescentou Bolsonaro.

Na última sexta-feira (22), o ministro Celso de Mello levantou sigilo da gravação em vídeo da reunião ministerial de 22 de abril. A reunião foi citada pelo ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro durante depoimento prestado à PF, no início do mês, como uma das principais provas da suposta interferência do presidente na PF. Dois dias depois da reunião ministerial, Moro pediu demissão do cargo.

O presidente ainda destacou, na nota, que respeita a democracia e a independência entre os Poderes e falou da necessidade de união.

“Reafirmo meu compromisso e respeito com a Democracia e membros dos Poderes Legislativo e Judiciário. É momento de todos se unirem. Para tanto, devemos atuar para termos uma verdadeira independência e harmonia entre as instituições da República, com respeito mútuo. Por fim, ao povo brasileiro, reitero minha lealdade e compromisso com os valores e ideais democráticos que me conduziram à Presidência da República. Sempre estarei ao seu lado e jamais desistirei de lutar pela liberdade e pela democracia”, encerrou.

Confira a íntegra da nota oficial do presidente Jair Bolsonaro:

“Diante da recente divulgação do vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril do corrente ano, pontuo o seguinte:

1. Mantenho-me fiel à proteção e à defesa irrestritas do povo brasileiro, especialmente os mais humildes e aos que mais precisam. Sinto-me bem ao seu lado e jamais abrirei mão disso.

2. Nunca interferi nos trabalhos da Polícia Federal. São levianas todas as afirmações em sentido contrário. Os depoimentos de inúmeros delegados federais ouvidos confirmam que nunca solicitei informações a qualquer um deles.

3. Espero responsabilidade e serenidade no trato do assunto.

4. Por questão de Justiça, acredito no arquivamento natural do Inquérito que motivou a divulgação do vídeo.

5. Reafirmo meu compromisso e respeito com a Democracia e membros dos Poderes Legislativo e Judiciário.

6. É momento de todos se unirem. Para tanto, devemos atuar para termos uma verdadeira independência e harmonia entre as instituições da República, com respeito mútuo.

7. Por fim, ao povo brasileiro, reitero minha lealdade e compromisso com os valores e ideais democráticos que me conduziram à Presidência da República. Sempre estarei ao seu lado e jamais desistirei de lutar pela liberdade e pela democracia.

Brasília, 25 de maio de 2020.

Jair Messias Bolsonaro

Presidente da República”