Trabalhadores são resgatados em condições análogas às de escravizados em navio de empresa norueguesa ancorado na Bahia

Dezesseis trabalhadores foram encontrados em condições análogas às de escravizados em um navio de uma empresa norueguesa ancorado na Baía de Todos-os-Santos, em Salvador. As vítimas foram resgatados por auditores-fiscais do trabalho da Superintendência Regional do Trabalho da Bahia, com apoio da Marinha do Brasil, entre segunda-feira (23) e sexta (27).

Entre os empregados resgatados, nove nasceram em Salvador, três do Maranhão e quatro do Espírito Santo. Eles foram contratados por uma empresa de Vitória para executar serviços de lavagem e pintura dos porões de um navio cargueiro de bandeira das Ilhas Marshall, de propriedade de uma empresa da Noruega.👉 Os resgatados permaneceram por cinco dias alojados em condições precárias no navio, sem local adequado para alimentação, descanso e higiene pessoal.

Apesar do serviço executado requerer grande esforço físico, os trabalhadores não possuíam condições dignas de descanso, dormindo em redes e colchões dispostos no convés, expostos a intempéries e sem o conforto adequado para a recuperação física do trabalho extenuante.

Também não havia local apropriado para banho, que era realizado com uma mangueira a céu aberto na área externa da embarcação, sem qualquer privacidade.

Aos trabalhadores não foi sequer garantido um local adequado para alimentação. as refeições eram consumidas no convés do navio, com os trabalhadores sentados no chão, juntamente com os materiais utilizados para a realização dos serviços contratados.

A jornada diária de trabalho no navio chegava a 14 horas, iniciando por volta das 6h e finalizando às 21h, com a concessão de uma hora para o almoço.A inspeção fazia parte, inicialmente, de uma campanha de inspeções concentradas em navios de bandeira estrangeira, realizada em conjunto por auditores-fiscais do trabalho e inspetores navais da Marinha do Brasil, para verificar as condições de segurança da navegação das embarcações e as condições de trabalho, remuneração e jornada dos tripulantes estrangeiros a bordo, no tipo de fiscalização conhecida no meio marítimo como port state control.

G1 Bahia

Para historiador, independência criou nação fundada na escravidão

A Independência do Brasil em relação a Portugal criou uma nação “fundada na escravidão”, analisa o historiador Rafael Domingos Oliveira, que faz parte do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Afro-América. Em 1822, o então príncipe regente do Brasil, Dom Pedro I, declarou a quebra da relação colonial com a metrópole europeia e emancipou o país. A escravidão legal só séria extinta décadas depois, em 1888.

Romper com a dominação direta de Portugal exigiu, segundo o historiador, costurar acordos com os proprietários de terras que tinham a produção movida pela mão de obra escravizada. Foi essa articulação que permitiu também que o país não se fragmentasse, como aconteceu com as colônias de dominação espanhola.

“Há linhas interpretativas muito consistentes que afirmam, por exemplo, que a independência foi construída sob um pacto de manutenção da escravidão. A integridade do território dependia, em boa parte, da defesa irrestrita dos interesses da classe senhorial. Nesse sentido, a independência em relação à Coroa Portuguesa significou para a população negra escravizada mais escravidão. A nação surgiria, assim, fundada na escravidão.”, explica Oliveira, como a construção do Brasil como país independente está fortemente ligada ao modelo de produção baseada na exploração da população escravizada.

Logo após o fim da escravidão institucionalizada, o Império acabou deixando de existir, com a Proclamação da República em 1889. Porém, o fim da monarquia não se refletiu, necessariamente, em melhorias nas condições de vida das pessoas negras. “Outros pactos das classes senhoriais e da elite se seguiriam ao longo da nossa história. Em todos eles, a população negra foi mantida na exclusão, na escassez e no genocídio”, acrescenta Oliveira.

Apesar dessas considerações, o historiador também acha importante lembrar que a declaração de independência aconteceu em um contexto de diversas revoltas populares contra a opressão que a colonização exacerbava. “É necessário olhar com cuidado para essa perspectiva, afinal existiram muitas revoltas e tensões sociais antes, durante e após o 7 de setembro que evidenciam a importância da participação popular e dos projetos que se esboçavam no período, mesmo que todos tenham sido suplantados”, pondera.

Indígenas continuam sem terras
O historiador indígena e professor da Universidade Estadual de Santa Cruz, Casé Angatu (foto de destaque acima), lembra que a emancipação do Brasil como nação também não trouxe benefícios aos povos originários, que desde 1500 tiveram os territórios invadidos pelos europeus. “Que independência foi essa? Ela foi feita por um herdeiro da corte portuguesa que não mudou o quadro existente de racismo, de genocídio e etnocídio sobre os povos indígenas e a população negra”, enfatiza.

Do mesmo modo, o professor destaca que foi mantida a desigualdade social, com a concentração de terras nas mãos de poucos proprietários. “Não alterou a situação latifundiária do Brasil. Não houve uma reforma agrária, que em outros países ocorreu”, diz sobre a uma situação que foi mantida mesmo após o fim do Império.

Estado Plurinacional
Até hoje, os povos originários ainda lutam, segundo Angatu, para terem os direitos reconhecidos no país. “A nossa verdadeira independência está para ser feita. Quando a gente fala de independência a gente fala de Estado nacional. O Estado brasileiro tem quer perceber que esse país é formado por povos. Assim como alguns estados na América-Latina já trabalham com a ideia de Estado multiétnico. Era isso que o Brasil tinha que perceber, que aqui são vários povos, que é multiétnico, plurinacional, na verdade”, diz.

Em 2009, a Bolívia fez uma reforma constitucional em que se tornou um Estado Plurinacional, como forma de reconhecer a diversidade étnica e cultural do país.

Agência Brasil