Apesar de decisão do STF, grávidas ainda são encarceradas no Brasil

“Pobre, carente, negra, subordinada a um homem, condenada pelo crime de tráfico de drogas e mãe irresponsável”. É assim que são descritas, por membros do Judiciário e do Ministério Público, as mulheres gestantes, lactantes e com filhos de até 6 anos de idade que chegam ao sistema penal no Brasil, revela estudo feito pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).

Segundo o estudo, mesmo após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que concede a prisão domiciliar a todas as gestantes e mães de crianças menores de 12 anos presas preventivamente, de três a cada dez acusadas grávidas ainda são presas no país.

Com o título Relatos da invisibilidade: representações de atores públicos sobre a aplicação do Marco Legal da Primeira Infância no cenário penal e socioeducativo feminino, a pesquisa traz um amplo diagnóstico, com dados e entrevistas com 180 interlocutores, sendo eles 62 profissionais que atuavam em serviços do poder executivo municipal ou estadual, 40 representantes do Poder Judiciário, 32 da sociedade civil, 23 do Ministério Público e também 23 da Defensoria Pública.

“O que os resultados, seja no âmbito quantitativo ou qualitativo, nos retratam é que, a despeito de conquistas normativas, ainda temos muitos desafios para a implementação de fato do Marco Legal da Primeira Infância”, diz a pesquisadora do Pnud Paola Stuker. Segundo ela, o que ocorre, na prática é o que consta no título na pesquisa, a invisibilização desses casos. O Marco Legal da Primeira Infância estabelece diretrizes para políticas públicas e garantias específicas para crianças de até 6 anos de idade, incluindo políticas de saúde, que abrangem cuidados desde a gravidez e de educação e assistência social, entre outras.

De acordo com Paola, diante desse normativo, as ações devem também chegar tanto às adolescentes em regime de internação quanto a mulheres presas grávidas ou mães. “É muito importante olhar para esse público, porque é importante olhar para todos os públicos que estão relacionados com a criação de seres humanos na primeira infância. Olhar para todas as famílias, todos os profissionais que são responsáveis pelos cuidados e proteção de crianças na primeira infância. A gente tem que olhar também para todas as gestantes, todas as mães, independente das condições em que se encontram”, diz Paola.

Queda no encarceramento
O relatório mostra que houve queda no percentual de encarceramento após o Marco Legal da Primeira Infância. Enquanto, em 2016, o percentual de decisões por encarceramento para mulheres gestantes e não gestantes nas audiências de custódia era praticamente equivalente, de 49,5% e 49,6%, respectivamente, a proporção passou, em 2020, para 31,6% e 42,4%, respectivamente. Isso mostra que uma a cada três gestantes ainda é encarcerada.

“Precisamos, sim, melhorar muito”, diz a juíza auxiliar da presidência do CNJ, Karen Luise de Souza. “Vemos que esses julgamentos não observam tudo que se vem dizendo sobre os impactos no desenvolvimento das crianças, que acabam sendo privadas do convívio com seus pais e responsáveis ou acabam se desenvolvendo dentro de um ambiente de privação de liberdade.”

Um dos trechos de entrevista com integrante da Defensoria Pública, que não é identificado, publicado no estudo, bate com o que diz Karen Souza e mostra que os resultados dos julgamentos dependem muito do juiz. “Depende muito da pessoa que está ali julgando. Tem juízes que, sim, que atendem nesse sentido. Entendem a infância como prioridade absoluta e falam: ‘apesar do que aconteceu, agora vamos pensar nessa criança que está chegando, ou que já chegou e que está precisando da mãe’. Tem juízes que não. Aí, a gente tem que recorrer. Tem casos que chegam ao tribunal. No tribunal, dependendo da turma, a gente também não tem sucesso. Às vezes, tem que levar para cima, tem que levar para o STJ [Superior Tribunal de Justiça]. Então, é muito relativo. É como eu disse: ‘esbarra-se muito na questão do ato infracional’”.

Outro trecho do relatório ressalta que, entre as mulheres adultas, muitas são vistas, sobretudo por membros do Judiciário e do Ministério Público, como “irrecuperáveis”, de modo que a relação materno-infantil pareceu ser mobilizada, em muitos momentos, como mecanismo adicional de punição.

Ações do CNJ 
Segundo Karen Souza, o CNJ busca orientar os magistrados para que consideram prioritária a questão da primeira infância nas decisões. O Manual Resolução nº 369, disponível na página do CNJ, traz um capítulo inteiro com o tema Elementos para facilitar a tomada de decisão.

“A [Resolução] 369 vem exatamente para oferecer essas ferramentas, auxiliar os colegas na tomada de decisões, estabelecer procedimentos. A partir dela, sem interferir na independência funcional, a gente pretende modificar o que está aí e que impacta diretamente a vida de crianças e adolescentes”, diz a juíza.

Agência Brasil

Presídios de PE têm aluguel de barracos, presos com mordomias e outros passando fome, diz CNJ

Dois relatórios do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontaram uma série de problemas nos presídios de Pernambuco, especialmente no Complexo do Curado, na Zona Oeste do Recife. Após inspeções, foi constatado que, em meio ao caos do sistema prisional do estado, há aluguel de barracos e presos com mordomias.

Além disso, existe a figura do “chaveiro” como política institucionalizada pelo estado. São presos que fazem uma gestão informal do presídio, exercendo funções que seriam de servidores públicos.

Os “chaveiros” decidem quem será atendido ou não pelos setores de saúde, jurídico e psicossocial, e, em alguns casos, até quem será beneficiado ou não com escassas vagas de trabalho para detentos. Segundo o governo, “o controle da lotação dos presos nas celas é de responsabilidade dos policiais penais”.

Os relatórios tiveram aprovação unânime do Plenário do CNJ. Na terça (4), a ministra Rosa Weber, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), fez inspeção no Complexo do Curado e disse que a situação dos presídios é dramática e “não pode ser escondida sob os tapetes”.

O Complexo do Curado é composto pelo Presídio Marcelo Francisco de Araújo (Pamfa), Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros (Pjallb) e Presídio Frei Damião de Bozzano (PFDB).

Esses relatórios foram feitos com base em inspeções realizadas em agosto de 2022. Na época, o supervisor do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do CNJ disse ao g1 que o complexo é “um depósito de gente”.

O CNJ determinou, então, redução de 70% na população do Complexo do Curado, e a entrada de novos detentos foi proibida. Havia 6,5 mil pessoas, aproximadamente, no ano passado. Atualmente, segundo o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), há cerca de 3 mil presos no local.

O que diz o CNJ

Sobre a situação dos presídios de Pernambuco, os relatórios do Conselho Nacional de Justiça apontaram que:

  • A fiação é antiga e com mofo e, segundo o CNJ, por todos os lados há gambiarras e fios improvisados. No Pjallb, inclusive, houve relatos de incêndios por curto-circuito.
  • No Presídio de Limoeiro, no Agreste, há venda e aluguel de barracos, com valores que podem chegar a R$ 30 mil. Quando os detentos sem barraco recebem visita íntima, podem alugar um por R$ 50; caso não tenham agendado com antecedência, o valor aumenta para R$ 100.
  • No Presídio de Igarassu, no Grande Recife, os barracos custam, em média, R$ 5 mil. Há indícios de repasse do dinheiro arrecadado por “chaveiros” a servidores públicos.
  • No Curado e em outras unidades, o “chaveiro” acaba se tornando uma espécie de mesário, agente de saúde, cantineiro e faxineiro, bem como responsáveis pela facilitação da comunicação entre presos e policiais penais.