Editorial – A negligência no trânsito custa vidas e exige respostas urgentes

É estarrecedor constatar que, num país onde morrem milhares de pessoas todos os anos em sinistros viários — lembrando que, pela lei, nem se fala mais em “acidentes”, pois são tragédias previsíveis e evitáveis — o Brasil trate com tamanho descaso o investimento em segurança no trânsito. Como se já não fosse suficiente termos políticas públicas que privilegiam o transporte individual, incentivando cada vez mais o uso do carro em detrimento do transporte coletivo e dos modos ativos como caminhar e pedalar, ainda assistimos ao total descumprimento das obrigações legais quanto à destinação dos recursos para salvar vidas nas ruas e estradas.

Os números divulgados pelo Atlas da Violência 2025, que pela primeira vez dedicou um capítulo exclusivo à violência nos transportes, somados aos estudos minuciosos da Confederação Nacional do Transporte (CNT), expõem a dura realidade: o Fundo Nacional de Segurança e Educação no Trânsito (Funset), criado para financiar a sinalização, engenharia de tráfego, fiscalização e educação no trânsito, virou praticamente um cofre para outras finalidades do governo. Em 2024, por exemplo, de R$ 810 milhões arrecadados com multas, míseros R$ 54 milhões foram aplicados de fato em segurança viária. O restante foi contingenciado e colocado no caixa geral da União, longe de onde deveria cumprir seu papel primordial: reduzir mortes e feridos nas vias do país.

Pior ainda é saber que não se trata de um problema pontual. Desde 2005 até 2024, o Funset teve R$ 23,46 bilhões autorizados, mas só 21,8% foram aplicados nas finalidades previstas em lei. Em vez de ir para ações diretas de prevenção de sinistros, a maior parte do dinheiro foi parar em sistemas burocráticos, fortalecimento institucional do Sistema Nacional de Trânsito e publicidade. Enquanto isso, só 11% foram destinados a projetos voltados à redução dos sinistros, e um vergonhoso 2,4% para a educação de trânsito, pilar essencial para formar cidadãos mais conscientes.

Diante desses dados revoltantes, fica o nosso questionamento: até quando as autoridades federais vão tratar a segurança no trânsito como assunto secundário, se não como uma simples fonte de arrecadação? Cadê o compromisso com as famílias brasileiras que todos os dias perdem seus entes queridos em colisões, atropelamentos e outros sinistros que poderiam ser evitados com engenharia, sinalização e campanhas educativas eficazes?

Fica aqui nosso alerta e cobrança. Que o Ministério dos Transportes, o Denatran, o Congresso Nacional e o próprio Tribunal de Contas da União façam o seu trabalho de fiscalização rigorosa e exijam o uso adequado desses recursos. Que se respeite o Código de Trânsito Brasileiro e se destine o que é devido para o Funset, com a devida prioridade na vida das pessoas. O trânsito seguro não é favor, é um direito de todos. E vidas humanas não podem continuar pagando o preço da negligência dos cofres públicos.

Waldiney Passos

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