Há quase um ano, Dilma Rousseff proferia o discurso de posse do segundo mandato como presidente da República. Apesar de indicadores econômicos e sociais apontarem que os meses seguintes seriam críticos para o país, ela fez declarações e promessas ousadas, a exemplo das que manteve durante a campanha à reeleição, mas o que se viu ocorrer no resto do ano deixou os eleitores confusos. A chefe do Executivo prometeu unir esforços para formar uma pátria educadora, mas a pasta de Educação foi uma das que sofreu mais cortes em 2015. Dilma reafirmou o compromisso de fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS), no entanto, além do Mais Médicos, nenhuma mudança significativa pôde ser verificada. Na tentativa de manter compromissos sociais, o governo corre o risco de contribuir para aumentar o endividamento das famílias. E, para piorar o quadro, a dificuldade de diálogo com o Congresso ameaça até mesmo tirar Dilma do cargo, com o processo de impeachment recém-instaurado na Câmara dos Deputados. Confira quais foram os compromissos firmados pela presidente no discurso de posse e o que realmente foi cumprido no primeiro ano de mandato.
EDUCAÇÃO
Ensino saiu do foco
» “Gostaria de anunciar agora o novo lema do meu governo. Ele é simples, é direto e é mobilizador. Reflete com clareza qual será a nossa grande prioridade e sinaliza para qual setor deve convergir o esforço de todas as áreas do governo. Nosso lema será: Brasil, pátria educadora!”
O governo da presidente Dilma Rousseff precisará avançar muito na educação para fazer jus ao lema escolhido para o mandato no discurso de posse. Em apenas um ano, a “pátria educadora” teve três ministros à frente da pasta da Educação. Cid Gomes, hoje filiado ao PDT-CE, perdeu o cargo já no primeiro trimestre, após tentativa desastrosa de tentar explicar, perante o plenário da Câmara, o motivo de ter chamado os deputados federais de achacadores e entrar em embate direto com o presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
Com a queda de Cid, o professor de ética e filosofia política da Universidade de São Paulo (USP) Renato Janine Ribeiro assumiu o ministério e deu uma ponta de esperança de que o governo levaria a sério a proposta de colocar a educação como uma das pautas prioritárias. No entanto, teve apenas cinco meses de uma gestão apagada à frente da pasta, marcada principalmente por problemas na renovação de contratos e limitação no número de bolsas ofertadas pelo Programa de Financiamento Estudantil (Fies). Janine foi uma das vítimas da reforma ministerial de setembro e deu lugar a Aloizio Mercadante (PT), que voltou ao cargo depois de passar pela Casa Civil e ser um dos pivôs da crise entre governo e Câmara.
O Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), bastante citado pela presidente durante a campanha, deverá oferecer 12 milhões de vagas até 2018. Neste ano, o programa registrou 1,1 milhão de novas matrículas, além das 1,2 milhão mantidas dos anos anteriores. Segundo levantamento da organização Contas Abertas, de janeiro a novembro deste ano, o governo aplicou R$ 2,7 bilhões no Pronatec, contra R$ 4,5 bilhões no mesmo período do ano passado. O investimento no Fies também apresentou recuo: foram R$ 14,6 bilhões em 2014, que caíram para R$ 12 bilhões neste ano.
Priscila Cruz, diretora-executiva do movimento independente Todos pela Educação, defende que áreas como a educação e a saúde não deveriam ser atingidas pela restrição orçamentária – no Ministério da Educação, houve redução de R$ 7 bilhões no orçamento. “Não deveríamos sofrer cortes, e, sim, melhorar a eficiência. Há bons projetos, mas, na hora da aplicação, eles não vão para frente. Os cortes são um erro, porque, assim, reduzimos a possibilidade de crescer no futuro”, lamenta.
A meta de universalização da educação de crianças entre 4 e 5 anos até 2016, proposta por Dilma, também está longe de ser cumprida. Pouco mais de 12% delas ainda estão fora da escola, de acordo com dados do Observatório do PNE de 2013. “E não é só a educação básica que é prejudicada, mas também o ensino superior. Essa é uma conta que vamos pagar no futuro.”
SAÚDE
SUS abandonado
» “Na saúde, reafirmo nosso compromisso de fortalecer o SUS. Sem dúvida, a marca mais forte do meu governo, no primeiro mandato, foi a implantação do Mais Médicos, que levou o atendimento básico de saúde a mais de 50 milhões de brasileiros, nas áreas mais vulneráveis do nosso país”
Em relação à saúde, o presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Gastão Wagner de Sousa Campos, acredita que pouca coisa mudou se comparado a anos anteriores. Para ele, o melhor programa do governo na área continua sendo o Mais Médicos, mas o Sistema Único de Saúde (SUS) e a rede pública em geral não foram prioridades do governo no primeiro ano deste segundo mandato da presidente Dilma Rousseff. “Temos um problema crônico de financiamento. O conjunto do orçamento público é insuficiente, temos uma estimativa de que precisaria quase que dobrar o volume de recursos”, afirma.
Campos acrescenta ainda que uma série de problemas do SUS não foram enfrentados. O principal deles é a integração do sistema nas esferas federal, estadual e municipal. “O sistema se chama único, mas é muito descoordenado. Exemplo disso é o combate ao Aedes aegypti”, comenta. A maior preocupação dele é com relação à capacidade operacional da rede de lidar com uma possível epidemia do zika vírus.
De acordo com o especialista, de 40% a 50% da fila no SUS se deve à má gestão e à falta de integração. “O SUS continua com duplo comando em cada cidade, metade é da rede municipal e a outra metade, da estadual. Campos critica ainda as indicações para cargos de chefia no sistema, que são todos de confiança e, portanto, mais sujeitos a influências político-partidárias. “Isso prejudica muito, pois não se consegue dar continuidade aos programas”, avalia.
INFRAESTRUTURA/ÁREA SOCIAL
Vítimas do ajuste fiscal
» “Assim como provamos que é possível crescer e distribuir renda, vamos provar que se pode fazer ajustes na economia sem revogar direitos conquistados ou trair compromissos sociais assumidos”
Com o passar dos meses, esse não foi o cenário observado. As verbas para o Programa Minha casa, minha vida, carro-chefe da reeleição, sofreram retração de R$ 5,1 bilhões entre 2014 e 2015, redução real de R$ 6,6 bilhões, segundo a ONG Contas Abertas. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), sobretudo ligado a obras de infraestrutura, viu o orçamento despencar de R$ 53,9 bilhões durante os 11 primeiros meses de 2014 para R$ 34,9 bilhões no mesmo intervalo de 2015. “São justos os benefícios sociais? Sim. Só que a preocupação em manter esses benefícios acaba penalizando os investimentos em infraestrutura”, afirma o economista Otto Nogami. Ele entende que o ajuste fiscal que ceifa os orçamentos de diversos setores é consequência de uma crise que já se anunciava. “Na medida em que o próprio governo criou uma condição artificial na economia, estimulando as pessoas a consumirem mais, elas se endividaram, e isso tem impacto na economia. O desemprego, por exemplo, vem do plano econômico do passado.” Somente em novembro, foram fechados 130.629 postos de trabalho, de acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho. (Diário de Pernambuco)