Apenas cinco estados ainda não notificaram casos de Oropouche

Dentre as 27 unidades da federação que compõem o país, apenas Distrito Federal, Goiás, Paraná, Rio Grande do Norte e Rio Grande do Sul ainda não registram casos de febre do Oropouche em 2024.

Dados do Painel de Monitoramento de Arboviroses indicam que Mato Grosso do Sul e Paraíba notificaram um caso cada; São Paulo, cinco casos; Alagoas, seis; e Tocantins, oito. Até o início da semana, o Brasil contabilizava 7.653 casos da doença e duas mortes. O Amazonas lidera o ranking de infecções por febre do Oropouche, com 3.228 casos. Em seguida aparecem Rondônia (1.710 casos), Bahia (844 casos), Espírito Santo (441 casos) e Acre (270 casos).

Mortes
Em julho, o Ministério da Saúde confirmou duas mortes pela doença no interior da Bahia. Até então, não havia relato na literatura científica mundial sobre a ocorrência de óbito por febre do Oropouche. Segundo a pasta, as duas vítimas eram mulheres, tinham menos de 30 anos de idade e não registravam nenhum tipo de comorbidade. Ambas apresentaram sinais e sintomas semelhantes ao quadro de dengue grave.

Transmissão vertical
No início da semana, o ministério investigava ainda pelo menos oito casos de transmissão vertical da febre do Oropouche – quando a infecção é passada da mãe para o bebê, durante a gestação ou no parto. Os casos em investigação foram registrados em Pernambuco, na Bahia e no Acre. Segundo a pasta, metade dos bebês nasceu com anomalias congênitas, como microcefalia, enquanto a outra metade morreu.

Na última segunda-feira (13), a Secretaria de Saúde do Ceará informou que investiga um óbito fetal que pode estar associado à infecção por febre do Oropouche. A secretária de Saúde do estado, Tânia Coelho, disse que o óbito foi registrado no último fim de semana.

A gestante tem 40 anos de idade, é residente de Baturité, mas foi atendida no município de Capistrano. Tânia Coelho explicou que 60% das doenças infecciosas registradas em humanos são causadas por animais ou insetos, incluindo o mosquito, e destacou a importância de um plano de ação.

Na semana passada, o Acre notificou um caso de bebê nascido com anomalias congênitas associadas à transmissão vertical da febre do Oropouche. Em nota, a pasta informou que o recém-nascido morreu aos 47 dias de vida. A mãe da criança, de 33 anos, havia apresentado erupções cutâneas e febre no segundo mês de gravidez. Exames laboratoriais feitos no pós-parto acusaram resultado positivo para o vírus Oropouche.

A doença
A febre do Oropouche é transmitida pelo Culicoides paraensis, conhecido como maruim ou mosquito-pólvora. Por causa da predileção do mosquito por materiais orgânicos, a recomendação é que a população mantenha os quintais limpos, evitando o acúmulo de folhas e lixo orgânico doméstico, além de usar roupas compridas e sapatos fechados em locais com muitos insetos.

Agência Brasil

Versão mutante do oropouche pode ser responsável pelas mortes no Brasil

O vírus oropouche que circula no Brasil sofreu mudanças que o diferenciam das linhagens anteriores. Ele teve um rearranjo genético e adquiriu sequências de outros dois tipos de vírus amazônicos. Cientistas vão investigar se essas mudanças estão associadas aos recentes casos de morte, distúrbios neurológicos, microcefalia e abortamento de fetos. E também se poderiam ter facilitado o seu espalhamento pelo país.

Pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e do Laboratório Hermes Pardini/Grupo Fleury encontraram o oropouche com rearranjos genéticos em amostras de Santa Catarina, Bahia e Espírito Santo e as compararam com sequências de genoma viral de Amazonas, Acre e Rondônia.

Com isso, confirmaram dados das equipes dos pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Felipe Naveca e Gonzalo Bello, os primeiros a descrever o rearranjo viral em amostras da Região Norte. Rearranjos genéticos representam mudanças genéticas no genoma maiores do que simples mutações.

“Precisamos descobrir se essas alterações trouxeram novas propriedades ao oropouche. Mas vimos que o mesmo vírus com o rearranjo genético amazônico circula de Norte a Sul do Brasil”, afirma Renato Santana, cientista do Laboratório de Biologia Integrativa da UFMG à frente da análise do sequenciamento genético.

O oropouche costuma causar sintomas semelhantes aos das febres dos vírus da dengue, zika e chicungunya. Porém, é completamente distinto deles. Ele pertence a uma família de vírus chamada Orthobunyavirus, que tem o genoma segmentado. Isso faz com que rearranjos, ou seja, trocas genéticas, sejam mais frequentes.

Eles podem trocar sequências ao infectar simultaneamente o mesmo indivíduo, seja um animal ou uma pessoa. Tais rearranjos tornam mais fácil que “pulem” entre diferentes hospedeiros, por exemplo. No caso, o oropouche se rearranjou com outros dois Orthobunyavirus que circulam na Amazônia. Um se chama Iquito e o outro é conhecido apenas pela sigla PEDV ou vírus de Perdões. Ambos podem afetar seres humanos.

Na quinta-feira, o Ministério da Saúde informou a confirmação das duas primeiras mortes causadas pelo oropouche no mundo. Duas mulheres, de 21 e 24 anos, sem comorbidades, morreram na Bahia. Os óbitos ocorreram em março e maio. Uma terceira morte está em investigação. É o caso de um homem de 59 anos, infectado em Santa Catarina e que morreu no Paraná, em abril.

Casos em bebês
O ministério também investiga seis casos de transmissão vertical (da gestante para o filho), de microcefalia e morte de fetos. São quatro casos de bebês com microcefalia e anticorpos para oropouche. E dois fetos com graves malformações neurológicas cujas mães sofreram abortamento, em Pernambuco. Num feto natimorto com 30 semanas de gestação, o RNA do vírus foi encontrado no cérebro, no fígado, no coração, no pulmão e nos rins.

Em 2024, até o momento, foram registrados 7.236 casos, em 20 estados, sendo a maioria em Amazonas e Rondônia. A maioria dos quadros é leve, com febre e dores. No entanto, alguns podem evoluir para sintomas neurológicos. Os casos de transmissão vertical, microcefalia e abortamento remetem à epidemia de vírus zika.

E especialistas lembram que as suspeitas de que o oropouche pudesse ter transmissão na gestação, causar malformações, abortamentos e distúrbios neurológicos não são novas. O virologista Pedro Fernando da Costa Vasconcelos, coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Viroses Emergentes e Reemergentes, diz que nos anos 1980 num surto de oropouche em Manaus houve três casos de abortamento, mas não foi possível investigar.

E, em 2015, durante a epidemia de zika, num estudo do Instituto Evandro Chagas com 51 casos de microcefalia negativos para este vírus, três deram positivo para oropouche. Mas como a só a presença de anticorpos não permite tirar conclusões definitivas, nada se provou na ocasião.

O oropouche tem vários transmissores. O principal vetor é o Culicoides paraenses, conhecido como borrachudo ou maruim. Há muitas outras espécies de maruins, que se distribuem do Canadá à Patagônia. Não se sabe quantas delas poderiam carregar o vírus. O oropouche também já foi encontrado no pernilongo (Culex quinquefasciatus) e se sabe que pode infectar outras espécies de mosquitos (Coquillettidia venezuelensis e Aedes serratus). Na verdade, se desconhece quantos vetores pode ter.

É consenso entre os cientistas que a testagem molecular em ampla escala feita pelo Ministério da Saúde mudou o diagnóstico e tem identificado casos que no passado acabariam confundidos com dengue, zika ou chicungunya. O ministério e cientistas investigam várias hipóteses para o espalhamento, que não são excludentes. Uma é que o maruim, favorecido pelo calor, tenha ampliado a área de infestação. Outra que o diagnóstico agora consegue distinguir o vírus.

E, por fim, que haja novos vetores. Os cientistas destacam a resposta rápida das autoridades de saúde, mas dizem que é preciso ampliar estudos. “Precisamos estar à frente do vírus e não a reboque dele”, enfatiza Tanuri, que acrescenta que a UFRJ remontou a força-tarefa que investigou o zika. Naveca também ressalta a importância de mais estudos: Há muito a descobrir. O número de casos graves é pequeno para saber como ele, de fato, se manifesta. Temos evidências que gestantes assintomáticas podem ter o feto infectado. Também é consenso que oropouche, como outros arbovírus, tem sua disseminação ligada a desequilíbrios ambientais. É fundamental fazer vigilância na Amazônia. Ela tem enorme diversidade de vírus”, alerta Santana.

 

Agênia O Globo