Casal de mulheres cria projeto para empreendedorismo de minorias

As exclusões sofridas no mercado de trabalho por Nanny Mathias e sua esposa, Isabelly Rossi, obrigaram o casal de mulheres negras a apostar no empreendedorismo para sobreviver e construir uma vida melhor. E o entendimento sobre essas dores vivenciadas foi o ponto de partida para desenhar um projeto voltado ao fortalecimento de empreendedores mulheres, negros, LGBTQIA+ e pessoas com deficiência, o Hub Diversidade Colorida, que realizou neste domingo (18) a Feira Diversidade Colorida, no Parque Madureira, na zona norte do Rio de Janeiro.

Em entrevista à Agência Brasil, no Mês do Orgulho LGBTQIA+, a CEO do Hub, Nanny Mathias, disse que a proposta da feira é reunir empreendedores desses grupos para criar mais conexões, possibilitando parcerias, investimentos e também mais negócios.

“A gente gera esse espaço seguro e inclusivo para que as pessoas possam expor o seu trabalho, sua arte, seus negócios, porque são pessoas que historicamente são marginalizadas e violentadas pela sociedade, que sofrem exclusão social, educacional e profissional”, disse Nanny, que conta com a parceria da mulher na realização da empreitada.

Essa violência é algo que a própria organizadora do evento relata em sua trajetória. Ao se matricular com a mulher para concluir o ensino médio, já que a necessidade de trabalhar havia empurrado ambas para a evasão escolar, ela narra um episódio de lesbofobia que exemplifica o por quê da necessidade de uma educação que seja segura para minorias.

“Quando a gente voltou ao âmbito escolar, há alguns anos, eu e minha esposa, no primeiro dia de aula, sofremos um ataque lesbofóbico pelo nosso professor de história, que queria saber quem era o homem da relação. E, não contente com a gente dizer que não tinha homem na relação, ele insistiu e criou histórias, perguntou quem pagaria pensão se a gente se separasse, quem ficaria com os filhos. Ele constrangeu a gente de forma muito violenta, e quando fomos falar com a direção, a direção simplesmente ocultou o fato”, disse. O episódio, segundo Nanny, foi antes de a LGBTfobia ser criminalizada pelo Supremo Tribunal Federal. “Na delegacia, falaram para gente que poderíamos denunciar se tivesse uma lei que protegesse a gente, mas não tinha”.

No mercado de trabalho, ela também relata experiências dolorosas, que impediam que se mantivesse muito tempo no mesmo emprego. “Além de ser uma mulher lésbica, sou preta e sapatão. Tenho uma forma de vestir e viver que é diferente. Exigem um padrão das mulheres, e eu chego quebrando isso. Eu trabalhei em uma empresa em que as pessoas queriam saber quem era o meu marido, porque eu não dizia que era casada com uma mulher. Me pressionaram tanto que mostrei a foto, e começaram a dizer ‘eu já sabia’. Minha gerente na época disse que minha vida pessoal não tinha nada a ver e que não tinha preconceito. Mas, no dia seguinte, ela me demitiu”.

Essas experiências fizeram a empreendedora pensar o projeto também como uma rede de apoio, já que o fato de ter partido para gerir seu próprio negócio não a poupou de novos episódios de discriminação. “As violências são diárias e em todos os âmbitos. Hoje, eu sofro as do mundo dos negócios”, afirma.

“O meu corpo representa muito, sou mulher e enfrento machismo. Sou preta e enfrento racismo. Sou lésbica e enfrento LGBTfobia. Sou do axé e acabo sofrendo intolerância religiosa”.

Entre os micro e pequenos empreendedores que participaram da feira deste domingo há negócios de diferentes setores, como artesanato, gastronomia e moda. Os participantes foram inscritos também em um laboratório de empreendedorismo, focado em capacitar essas pessoas.

“São pessoas que estão no empreendedorismo por necessidade em muitas das vezes, pessoas que não puderam estudar para depois empreender e estão fazendo isso ao mesmo tempo. Entendendo essa necessidade, de tantos negócios quebrando por não saber gerir, a gente criou esse laboratório, para gerar um espaço de inclusão e capacitação. A gente tem uma rede de mais de 100 empreendedores”, disse Nanny, que vê o empreendedorismo desses grupos vulnerabilizados como uma ação transformadora no mercado de trabalho.

“Infelizmente, o mercado ainda tem uma exclusão muito grande de pessoas pretas e LGBTQIA+, e quando você é preta e LGBTQIA+, tudo dentro do mesmo corpo, essa exclusão é muito maior. Essas pessoas, muitas vezes, dentro dos seus próprios negócios, já levam

mensagens sobre aquilo que elas vivem, viveram e sobre a exclusão que elas sofrem. Então, elas vão transformando, assim como eu, as dores delas em um negócio criativo. Isso é muito interessante”.

Agência Brasil

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