Hoje a Arqueologia Brasileira acordou com o comunicado da partida da Dra. Niède Guidon. A arqueóloga paulista formada na França fez do sertão do Piauí sua residência e palco de grandes acontecimentos científicos e culturais.
Com a criação do Parque Nacional da Serra da Capivara e com as pesquisas que ocorrem há mais de quarenta anos envolvendo missões estrangeiras e pesquisadores nacionais e locais, a região do entorno de São Raimundo Nonato tem vivenciado desde a chegada de Niède Guidon um desenvolvimento sem precedentes.
A partir de sua iniciativa, prédios e estruturas foram erguidas em meio à caatinga que passou a sediar laboratórios, museus e instituições de pesquisa e cultura. Arqueólogos, guias, técnicos e vários outros profissionais foram formados a partir do que Guidon trouxe para a região que entrou para o mapa da Arqueologia mundial, sendo reconhecida pela Unesco como uma das áreas que abrigam a maior quantidade de sítios arqueológicos do mundo.
Para além da geração de empregos e da formação de sertanejos, a Dra Niede teve seus feitos reconhecidos também internacionalmente, mediante a descoberta de vestígios muito antigos na região do sudeste do Piauí. Com datações para vestígios em torno de 50.000 anos, a arqueóloga enfrentou vários debates científicos, sobretudo com arqueólogos norte-americanos que desacreditaram em sua pesquisa. Os artigos científicos publicados em revistas internacionais pela Dra Guidon são testemunhos de seu respaldo enquanto pesquisadora que lutou incansavelmente para validar sua pesquisa e romper com velhos paradigmas na Arqueologia, no que diz respeito ao povoamento do continente americano.
Mas seu legado vai além disso. A doutora criou uma espécie de feudo e todos no território da Serra da Capivara são, de alguma forma, seus vassalos. Sejam aqueles que estudaram Arqueologia, sejam aqueles que têm seus empregos gerados pelas iniciativas dela seja no Parque Nacional, seja na Fumdham, no Centro Cultural Sérgio Motta, na Cerâmica Serra da Capivara ou em quaisquer outras instituições. Quantos sertanejos puderam formar seus filhos em Arqueologia, Antropologia, Ciências da Natureza e Química, graças a ela?! Quantas crianças na área rural puderam estudar e estudar música a partir dos projetos dela?! Quantos filhos da terra puderam, a partir das oportunidades que ela ofereceu, sair mundo a fora para trabalhar e se capacitar até mesmo do outro lado do Atlântico?!
Se hoje São Raimundo Nonato conta com um aeroporto, com uma universidade federal que possui vários cursos de graduação e pós-graduação, além de vários outros empreendimentos e rendas que são geradas de forma direta e indireta à população, foi graças a ela, que com sua coragem lutou de forma desmedida para conseguir desenvolver a região.
Hoje não só a Arqueologia brasileira inteira chora a sua partida, mas cada sertanejo que teve a oportunidade de conhecer e de se beneficiar dos atos desta mulher gigante, que estava à frente do seu tempo. Dona de uma simplicidade e de uma generosidade enorme, Niede Guidon deixa seu legado para várias gerações.
Por Dra Morgana Ribeiro,
Egressa do Curso de Arqueologia – Campus São Raimundo Nonato e Doutora pela UFPE