Mal a crise do Pix começou a esfriar, o governo Lula (PT) enfrenta nova onda de críticas nas redes sociais – desta vez, por causa da ideia de mudar o formato da data de validade de alimentos.
A sugestão nem partiu propriamente do governo, veio do setor de supermercados, mas está sendo explorada pela oposição, que consegue atuar na internet com mais habilidade, alcance e efetividade. Diante das críticas, o governo teve de recuar de uma política que nem chegou a ser anunciada oficialmente.
O governo Lula está buscando formas de combater a inflação dos alimentos, e o ministro da Casa Civil, Rui Costa, deu entrevista dizendo que medidas sugeridas pelo setor de supermercados poderiam ser implementadas ainda no primeiro bimestre do ano.
Rui Costa não detalhou as medidas, mas já era sabido que o setor produtivo tem sugerido a troca nas regras da validade dos alimentos, de uma data-limite definida para a frase “melhor consumir antes de…”, o que já ocorre em países como os Estados Unidos.
A oposição, então, começou a acusar o governo de querer permitir a venda de comida estragada. “A picanha não veio, e se vier, será podre”, provocou o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG).
Diante da nova onda de críticas, o governo se apressou em negar a adoção da medida, que nem chegou a ser anunciada. Empossado em 14 de janeiro para ajudar o governo a se comunicar melhor, o publicitário Sidônio Palmeira já enfrenta o segundo grande desafio na Secretaria de Comunicação (Secom): o primeiro foi relacionado à fiscalização das transferências via Pix e acabou em recuo e cancelamento de instrução normativa da Receita. Em ambos os casos, o debate foi dominado pelos políticos de direita.
O deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), por exemplo, foi responsável por um vídeo que conquistou mais de 320 milhões de visualizações apenas no Instagram. A publicação tratava da normativa da Receita Federal sobre a ampliação da fiscalização das transferências via Pix.
Com o vídeo de Nikolas, o tema ganhou ainda mais amplitude nas redes sociais, e o governo recuou da normativa, o que foi comemorado por opositores e até pela base governista, que parou de apanhar.
Depois do caso, o presidente Lula definiu que todas as portarias de ministérios deverão ter o aval do Palácio do Planalto, por meio da Casa Civil. “Daqui para frente, nenhum ministro vai poder fazer portaria que depois crie confusão para nós”, disse o petista na última segunda-feira (20/1).
A nova polêmica, porém, gira em torno justamente da Casa Civil, especificamente referente a uma fala do ministro Rui Costa durante o programa Bom Dia, Ministro, da Empresa Brasil de Comunicação (EBC).
“Vamos fazer algumas reuniões para buscar um conjunto de intervenções para o barateamento dos alimentos. No fim do ano passado, o presidente fez uma reunião com a rede de supermercados com a mesma pauta. A rede sugeriu algumas medidas, e vamos implementá-las agora no primeiro bimestre”, pontuou Rui Costa.
Logo as redes sociais foram dominadas por políticos de direita que sugeriram que o governo gostaria de vender alimentos vencidos. Na verdade, a proposta em questão é da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), que sugere a adoção de indicação de uma data para consumo do produto, chamado “best before”.
A medida já foi apresentada ao Palácio do Planalto, mas em 2021, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL). Agora, porém, está sendo amplamente explorada pela direita brasileira, como o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).
“Se não fossem as redes sociais, o governo Lula poderia colocar alimentos vencidos no prato do povo brasileiro. Por isso, é fundamental continuar falando, questionando e cobrando”, escreveu Flávio Bolsonaro nas redes sociais.
Daniel Dubosselard Zimmermann, professor do MBA Marketing Político e Campanhas Eleitorais da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), avalia que a comunicação do governo Lula nas redes sociais só irá ser mais efetiva a partir do momento em que o próprio presidente atuar nas plataformas, e não só as equipes de comunicação.
Zimmermann cita, por exemplo, nomes da direita mundial que tem se projetado por meio das redes. Como os presidentes dos Estados Unidos, Donald Trump, e da Argentina, Javier Milei.
“O presidente Lula dificilmente está na rede. Ele aparece no momento em que a crise, ou quando algo importante precisa ser dito. Mas as pessoas não sentem essa proximidade dele na rede”, avalia o professor da USP.
“A comunicação da direita é muito simples, ela é muito direta, ela é mais curta, e ela não precisa explicar nada. Ela não passa por uma explicação. Ou seja, a outra questão é que a direita é muito rápida em responder, em criar narrativas. A esquerda, para tentar não errar, ela acaba tendo de ser mais morosa”, explica Zimmermann.
O professor da USP aponta que a direita consegue criar narrativas rápidas e que conquistam o público de uma forma com que a esquerda ainda não consegue fazer. Ele cita que os políticos da ala bolsonarista focam em um tema e produzem diversas postagens sobre aquele mesmo assunto, enquanto a esquerda tenta explicar variados temas em apenas uma publicação.
“É uma mensagem curta, é uma mensagem direta, é uma mensagem objetiva e é uma mensagem que influencia. Ainda mais hoje em dia, as pessoas leem cada vez menos”, complementa.
João Feres, cientista político do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), esclarece que, no caso no Pix, o problema está na descentralização da comunicação do governo. Ele pontua que cada ministério possui a própria comunicação, o que dificulta uma resposta mais concentrada.
“Nesse caso do Pix, eu acho que, assim, rolou uma coisa do Ministério da Fazenda ter seus próprios canais de comunicação, e a comunicação deles não é unificada. Acho que isso dá abertura para esse tipo de desentendimento.”
João Feres ainda ressalta que o governo tem sido pautado pela direita, o que demonstra uma falha na articulação.
Com o intuito de melhorar a comunicação não só do governo, mas da base petista também, o PT convocou a militância para uma plenária virtual com Sidônio Palmeira na noite da última quinta-feira (23/1), a fim de alinhar a estratégia de divulgação das ações do governo.
Fonte Metrópoles