
(Foto de Luca Jahn na Unsplash.com)
O que começou como um simples presente de uma câmera de plástico acabou colocando Gana no mapa, tudo graças a ninguém menos que James Barnor, o lendário padrinho do fotojornalismo do país.
As lentes de Barnor não apenas documentaram a jornada de Gana rumo à independência, mas também capturaram a vibrante transformação da vida africana na Grã-Bretanha durante os anos 60.
Radicado no Reino Unido, Barnor é um fotógrafo visionário é responsável por algumas das imagens mais icônicas do primeiro presidente de Gana, Kwame Nkrumah, e do lendário boxeador americano Muhammad Ali, além de diversos eventos nacionais e internacionais de grande importância.
De agosto a novembro do ano passado, o MASP em São Paulo apresentou a primeira grande exposição individual de Barnor na América Latina com mais de 200 fotografias, explorando a rica trajetória do artista e seus temas recorrentes, como identidade, cultura africana, diáspora e migração. Atualmente um festival em Tamale, que se estende até o final de junho, celebra sua obra e legado.
À medida que celebramos o primeiro fotojornalista de Gana, revisitamos sua vida colorida e uma carreira de mais de seis décadas em dois continentes.
Primeiros Anos e Introdução à Fotografia
Nascido em Accra, na antiga Costa do Ouro, em 1929, Frederick Seton James Barnor começou no mundo da fotografia desde cedo. Com dois tios e vários primos já na profissão, era quase predestinado que o jovem James seguisse o mesmo caminho. Aos 17 anos, enquanto lecionava cestaria em uma escola missionária, ele recebeu sua primeira câmera – uma Kodak Brownie 127 – do diretor. Este presente simples marcaria o início de uma jornada extraordinária.
Em 1947, o jovem Barnor embarcou em um estágio com seu primo J. P. Dodoo, um renomado fotógrafo de retratos em Accra. Essa experiência imersiva lançou as bases para o que se tornaria uma carreira notável na fotografia. Ao lado de Dodoo, Barnor aprimorou suas habilidades técnicas, aprendeu os segredos da iluminação e composição, e desenvolveu um profundo senso de estética visual.
O Estúdio Ever Young
No início dos anos 50, Barnor deu seus primeiros passos na fotografia profissional ao abrir seu próprio estúdio em Jamestown, Accra, sob o nome “Ever Young”. Essa escolha, inspirada em uma história de maçãs mágicas que concediam juventude eterna, refletia não apenas a paixão de Barnor por capturar a beleza e vitalidade de seus modelos, mas também sua técnica de retocar fotografias para suavizar as marcas do tempo, fazendo com que as pessoas parecerem mais jovens.
Rapidamente, o Estúdio Ever Young se tornou um polo cultural e social em Accra, atraindo desde cidadãos comuns até figuras importantes da sociedade, incluindo o futuro primeiro presidente de Gana, Kwame Nkrumah. A habilidade de Barnor em captar a essência de seus retratos o tornou um fotógrafo requisitado na época da independência do país.
Barnor lembra com nostalgia: “Eu não apenas tirava fotos; também revelava e imprimia as imagens para meus amigos. Chamei minha empresa de ‘FS James Barnor’s Quick Photo Service’, utilizando minhas iniciais, Frederick Seton. Se você me trouxesse os negativos, teria suas fotos prontas no dia seguinte”.
Fotojornalismo com o Daily Graphic e a Revista Drum
Em 1950, a carreira de Barnor decolou quando ele se tornou o primeiro fotógrafo contratado do jornal Daily Graphic. Essa posição privilegiada lhe concedeu a oportunidade de documentar eventos históricos cruciais durante o processo de independência de Gana.
Paralelamente, Barnor expandiu seu alcance ao vender suas fotografias para outras publicações, destacando-se a revista sul-africana Drum. Através da Drum, ele compartilhou com o mundo imagens da vida cotidiana em Gana, além de registrar grandes acontecimentos políticos e culturais que marcaram o país.
Londres Chama: Documentando a Vida Africana na Grã-Bretanha
Em 1959, buscando aprimorar suas habilidades fotográficas, Barnor embarcou em uma jornada à Inglaterra. Após concluir seus estudos no Medway College of Art, ele estabeleceu-se em Londres, onde conciliou sua paixão pela fotografia com a atuação como técnico.
Durante essa fase londrina, seu trabalho assumiu uma nova dimensão: Barnor dedicou-se a documentar a diáspora africana na Grã-Bretanha. Através de suas lentes, ele capturou a experiência dos africanos que viviam naquele país durante a década de 60, oferecendo uma perspectiva única e autêntica sobre suas vidas e costumes. Essas imagens, frequentemente aparecendo nas capas da revista Drum, ajudaram a remodelar as percepções da beleza e do estilo africanos.
Retorno a Gana e Introdução do Processamento de Cores
Em 1970, após uma década enriquecedora na Inglaterra, Barnor retornou à sua terra natal, Gana, trazendo consigo um presente inestimável: as primeiras instalações de processamento de cores do país. Nos 24 anos seguintes, Barnor dedicou-se à fotografia profissional em Gana, demonstrando sua versatilidade e expertise em diferentes áreas. Ele atuou como representante oficial da Agfa-Gevaert na África, e realizou trabalhos para diversas agências governamentais e a embaixada estadunidense.
Redescoberta e Reconhecimento Recente
Em 1994, Barnor retornou a Londres. Nesta etapa, um novo capítulo se desenrolou em sua história: seu trabalho, que já havia conquistado admiração em Gana, recebeu finalmente o reconhecimento internacional que merecia. Aos 79 anos, ele teve a oportunidade de participar de sua primeira grande exposição, marcando o início de um merecido surto de apreciação por sua obra.
Desde 2010, as fotografias de Barnor foram exibidas em galerias prestigiosas em todo o mundo, incluindo o Hutchins Center da Universidade de Harvard (antigamente Instituto de Pesquisa W. E. B. Du Bois), a Galeria Nacional da África do Sul e a Tate Britain. Através dessas exposições, a perspectiva única de Barnor sobre a cultura ganense e britânica transcendeu fronteiras, conectando-se com públicos diversos.
Influência na Cultura Popular
As fotografias de Barnor transcendem a esfera das galerias de arte e se infiltram na cultura popular de diversas maneiras. Suas imagens icônicas estampam capas de álbuns musicais, editoriais de moda e até inspiram a criação de mídias digitais. Nos últimos anos, a obra de Barnor ganhou nova vida em lugares inesperados, desde tributos nas redes sociais até arte de fundo em jogos de slots temáticos sobre a herança africana.
Obras Publicadas e Honrarias
Em 2015, a publicação do primeiro monográfico de Barnor, “James Barnor: Ever Young”, consolidou seu lugar no panteão dos grandes fotógrafos. Esta obra apresenta a amplitude e a profundidade da carreira de Barnor, desde seus primeiros retratos em estúdio até seu trabalho posterior em cores, oferecendo ao público um panorama completo de sua trajetória artística e impacto cultural.
As notáveis contribuições de Barnor para a fotografia e a cultura ganense não passaram despercebidas. Em 2011, recebeu o prêmio GUBA (Ghana UK-Based Achievement) por Realização de Vida, um reconhecimento merecido à sua excelência profissional e dedicação à arte. Em 2016, o governo ganense o homenageou com a Ordem do Volta, uma das mais altas honrarias do país, reforçando o status de Barnor como um ícone nacional e um legado inigualável para a história da fotografia.
Legado
Ao celebrar seu 95º aniversário, James Barnor se ergue como um gigante na história da fotografia, deixando um legado que transcende os limites da arte. Sua obra meticulosa e visionária não apenas captura a beleza e a alma de seus modelos, mas também serve como um registro histórico inestimável da jornada de Gana para a independência e da experiência africana na Grã-Bretanha pós-guerra.
Feliz aniversário, Sr. Barnor! Que seu legado continue a iluminar o mundo e nos inspirar a ver a beleza e a riqueza da diversidade humana.